Médico de João Pessoa que agrediu ex-companheira
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Policial

Vítima de agressão expõe os motivos de demora na denúncia contra médico na Paraíba

Publicado em 18/09/2023 10h56

A enfermeira e estudante de medicina Rafaella Lima, de 32 anos e natural da Paraíba, compartilha sua experiência vivida ao lado do médico João Paulo Souto Casado, de 41 anos, com quem manteve um relacionamento por mais de três anos. O casal dividia o mesmo apartamento em um prédio, onde câmeras de segurança registraram o médico agredindo Rafaella em pelo menos duas ocasiões distintas.

Em uma entrevista concedida à jornalista Larissa Pereira, Rafaella aborda sua convivência com o agora ex-companheiro e destaca a séria questão da violência estrutural contra as mulheres. Ela revela que, após reagir à primeira agressão física, optou por não mais reagir como uma forma de minimizar seu sofrimento.

Ela lembra que, na primeira vez que apanhou, pega de surpresa, institivamente reagiu. E foi justo nesse dia que ela ficou mais machucada. Assim, quando a cena se repetiu alguns meses depois, ficou acuada:

“Dessa vez eu não reagi. Eu entendi que se eu reagisse eu apanhava mais. Era mais inteligente não reagir”, declara Rafaella.

A vítima das agressões confessa que morria de vergonha de toda a situação e que durante muito tempo tudo o que ela queria era esconder das pessoas que a cercavam o que estava acontecendo. Na hora das agressões, partia dela a preocupação de não fazer alarde.

“Eu fazia o mínimo de barulho possível, porque eu não queria que ninguém ouvisse nada. Eu não gritava e tentava ir para longe da sala de estar para os vizinhos não escutarem”, revela.

João Paulo e Rafaella se conheceram por volta de 2013, quando ele atuou como monitor em uma disciplina do curso de enfermagem que ela estava frequentando na época, enquanto ambos eram estudantes. Entretanto, naquela ocasião, não houve nenhum desenvolvimento na relação deles, e eles só voltaram a se encontrar em 2019, quando começaram a seguir um ao outro nas redes sociais. O namoro entre eles não demorou a se iniciar, e em 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19, tomaram a decisão de viver juntos.

Ao relembrar aquele início, Rafaella fala de um período mais feliz, sem violência. Pelo que ela diz, eram tempos de conquistas. “Ele era uma pessoa gentil, agradável, alegre, disponível. Criava um mundo inteiro para você entrar nele”, relembra. “Ele me conquistou e conquistou as pessoas que estavam no meu entorno”, completa.

Rafaella Lima destaca ainda que foi ele quem a incentivou a voltar à estudar, a ir em busca de seu sonho de ser médica. Ao mesmo tempo, pouco a pouco foi convencendo ela a não trabalhar, a se dedicar exclusivamente aos estudos e à casa em que eles moravam. Começava aí uma dependência financeira que ela tem certeza ter sido prejudicial no futuro.

A postura dele começou a mudar, segundo o relato da vítima, em 2021, um ano depois de terem começado a morar juntos. Foi quando se iniciou brigas por motivos banais, quando ele começou a ser grosseiro, a passar na cara dela que era ele quem pagava as contas da casa e o curso dela.

“Se ele visse uma coisa fora do lugar, ele já reclamava. Uma louça na cozinha era motivo de reclamação. E ele fazia comparações. Dizia que trabalhava o dia inteiro e eu ficava só estudando”, descreve.

Comentários e situações que foram ficando cada vez mais frequentes, com um tom de voz cada vez mais firme, até que veio a primeira agressão. Essa aconteceu um ano antes daquela primeira que seria flagrada pelas câmeras de segurança do prédio em que moravam, dentro de um elevador.

Naquela primeira vez, ambos foram jantar na residência de um casal de amigos. Quando retornaram, começou uma discussão aparentemente banal. “A gente tinha que concordar com a opinião dele. Se não concordasse, ele achava que era um desaforo. Aí eu comentei algo que era irrelevante, mas que para ele era um atrevimento. Foi quando teve a primeira agressão”.

Ainda de acordo com Rafaella Lima, foram murros, tapas, chutes. Foi o dia em que ela foi pega de surpresa e acabou revidando. Foi a vez também em que ela mais se machucou.

Ela explica que naquele dia, ainda assustada, dormiu fora de casa. Só voltou no dia seguinte. Passaram algum tempo meio estranhos, sem se falar direito, até que ela resolveu relevar.

“Ele me pediu desculpas. Eu não achei que iria acontecer de novo”, admite, mais uma vez começando a chorar.

Ademais, havia um detalhe que a fazia esquecer a agressão e achar que a partir dali tudo seria diferente. “Toda vez depois de uma agressão, a gente passava meses, entre aspas, em lua de mel”.

Rafaella conta que João Paulo Souto Casado normalmente pedia desculpas, chorava, dizia-se arrependido depois de cada agressão. E que também demonstrava incômodo com as marcas que ficavam no corpo dela. Mas que, a despeito disso, as agressões se repetiam. As verbais de forma regular e frequente, as físicas de forma mais esporádicas. Na segunda vez, como já dito, ela parou de reagir.

“Uma vez a gente estava conversando sobre o trabalho dele, e eu comentei que talvez ele fosse um pouco egocêntrico e que isso poderia prejudicar ele. Foi apenas uma opinião, mas naturalmente ele não gostou. Foram mais tapas, socos, chutes”, descreve.

Uma outra questão importante é que, ela diz, não havia um padrão. Ele já a agrediu bêbado, sóbrio, de todas as formas possíveis. O que não mudava era o jeito como ela reagia. “Eu não tinha coragem de contar a ninguém. Eu gostava dele. Estava envolvida emocionalmente. Fazia de tudo para que as pessoas não soubessem de nada”.

Para esconder as marcas cada vez mais frequentes, passava a usar roupas mais compostas, que cobriam os hematomas. Quando o arroxeado chegou ao rosto, passou vários dias sem sair de casa para ninguém ver o machucado.

Até então, contudo, as agressões eram sempre dentro de casa. Ninguém sabia de nada. Aí veio a cena no elevador, gravada pelas câmeras de segurança do prédio. Foi quando a administração do condomínio ficou sabendo da agressão e denunciou o caso à polícia. Tempos depois, chegou uma intimação para ela ir à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). Ela não teve coragem de denunciar, não quis levar o caso adiante.

O caso foi arquivado, desrespeitando entendimento do STF, de 2012, que decide que casos de violência física contra a mulher devem ser investigados independente do desejo da vítima. Depois que as agressões vieram a público, a delegada foi afastada de suas funções.

Independente dos erros cometidos pela Polícia Civil da Paraíba, ela explica o que se passava naquela época. “Eu não tive coragem de denunciar, eu neguei tudo. Eu tinha medo”, confessa. “Eu nunca quis essa exposição. Eu só queria me livrar daquela situação”, completa.

Depois, ela admite momentos de dúvidas que eram sempre seguidos por insegurança. “Várias vezes eu pensei em denunciar, mas tinha medo. Ele era uma pessoa pública e eu não era ninguém”, comenta, chorando uma vez mais.

Além disso, havia os deboches, as declarações de que nada iria acontecer contra ele. Segundo Rafaella, o médico João Paulo demonstrava certeza de impunidade. “Ele não tinha medo. Eu que tinha vergonha”.

A decisão de se livrar de toda aquela situação se tornou mais forte em dezembro de 2022, após mais uma agressão que se passou dentro do carro. Naquele dia, ela finalmente percebeu que não dava mais.

Rafaella narra que o ex-companheiro, o médico João Paulo Souto Casado, estacionou o carro de repente na avenida Epitácio Pessoa. Parou o veículo especificamente para bater nela. E que ele mirou todos os golpes exclusivamente na cabeça dela, de forma deliberada, e na hora da surra mandava ela tirar as mãos para não deixar marcas das agressões. Aquele detalhe ligou o sinal de alerta de forma definitiva.

“Eu até disse a ele: ‘Não é loucura, não é doença, não é nada. Porque você sabia exatamente o que você estava fazendo, você calculou exatamente onde você ia bater, você calculou o que não daria problema para você’. Aquilo mexeu mais comigo”, desabafa.

Não o abandonou naquele dia, mas ela confessa que a relação já não era mais a mesma. Tempos depois, houve mais uma discussão. A comparar com as demais, foi até branda. Mas havia todo o acumulado de meses e mais meses de violência doméstica. Ele saiu de casa pouco depois para ir trabalhar, ela saiu logo depois para nunca mais voltar.

O que diz a defesa do médico

A defesa de João Paulo Casado nega que existiram outras agressões além das filmadas pelo circuito de câmeras do condomínio, afirma que o médico estava sendo chantageado, acusa Rafaella de maus-tratos contra o filho dele e diz que o médico está arrependido. O médico também gravou um vídeo pedindo desculpas a Rafaella e a outras mulheres que tenham se sentido ofendidas.

“Ele atribui, não justifica, mas atribui aquelas aquelas cenas ao estresse que vivia emocionalmente naquele período. E também acrescentado pelo fato de que havia da jovem, da doutora Rafaela com relação ao seu filho, uma animosidade. Tanto é assim que nas imagens mostram ele após efetivamente produzir aquelas agressões, ele acalentando o filho. Ele disse, ali instantes antes, ter tido uma severa discussão com ela, […] em que ela lançou impropérios contra o garoto. Então ele, no ímpeto da emoção, acabou fazendo o que aquelas imagens mostram”, disse o advogado Aécio Farias.

Rafaella nega a versão do advogado e diz que sempre se deu bem com o filho de João Paulo.